Banalidades 1.0

23 outubro, 2014

houve um tempo, um lugar e pessoas - um ambiente onde eu me inseria e sentia que tinha algo em mim. a vaga ideia de conhecimento, de cultura geral, a capacidade abstracta de pensar e sentir sobre tudo. filosofia, história, política. houve um tempo em que sabia pouco e tinha opiniões sobre tudo.

e entretanto, parei no tempo. parei para viver as banalidades que não tinha vivido antes. as noites, as curtes, os dramas, o gossip. vivi um tempo em que as banalidades da vida, os clichés e os filmes vistos todos sobre o mesmo, todos sobre mim ou sobre os outros.

quando é que parei de ter conversas interessantes? qual foi o momento em que eu deixei de ser interessante? qual foi o momento em que decidi abandonar os livros, as ideias, as opiniões?

o conhecimento não alimenta - talvez essa tenha sido a ideia. quando comecei a ter responsabilidades - mesmo que poucas - quando deixei me absorver pela rotina de lavar a roupa, lavar a loiça, arrumar o quarto, limpar as janelas.

passei de filósofo a dona de casa e ainda assim, uma má dona de casa.

chega agora a altura em que eu perco a noção do que falam os outros, do que sabem os outros e de que ideias discutem. sou hoje a pessoa calada, a pessoa que não sabe.

gostava de dizer que foi a depressão que matou em mim a intelectualidade. quando deixei de poder pensar - só sentir. gostava de dizer que foram as paixões, as fodas, os outros.

mas a responsabilidade é minha. e agora, sempre que estou com um grupo particular de pessoas sinto-me como me sempre me senti. estou no grupo em que quero estar e de alguma forma não pertenço. talvez tenha sido muito bom ter aprendido a viver no silêncio - talvez consiga ainda iludir os outros que talvez haja algo em mim escondido.

todos os bons escritores, os bons artistas, sabem. sabem e vivem em igual medida. o que significa que eu não posso ser ambas as coisas. escreverei um dia um livro, contarei uma história, e sei que o farei. sei também que será sobre nada, sobre banalidades e clichés.

nunca serei um escritor como aqueles que admiro. estou mais próximo de ser a margarida rebelo pinto do que ser o Saramago. a minha vida é uma banalidade. mas pelo menos tenho essa consciência, o que ainda assim não é qualquer conforto.

por muitas desculpas que tenha.

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