E já estamos no fim de Outubro. Vivo em Milão há mais de um mês e as novidades ainda surgem todos os dias, as aventuras não se repetem e as conversas nunca são as mesmas. É um circo infinito e a surpreender a cada novo número, sou público e palhaço e por agora, está tudo bem.
Eu sinto-me em casa muito facilmente, é uma característica minha. Assim, enquanto estou aqui, na sala de Estudo da Residência, o sol triste de Milão cumprimenta os papéis espalhados das aulas de italiano em cima da mesa, é estranho pensar no antes. Estranho pensar em Sacavém, nos dias de calma no Escritório, nos dias de cigarros com a Joana Frederico, nos dias de chuva, nos dias de autocarros intermináveis. O que não significa que não tenha saudades.
Mas, parece-me que a minha vida neste momento tinha mesmo que ser aqui. Neste lugar, com estas pessoas, mesmo com estes problemas. Nem tudo é sempre bom.
Esta semana foi terrível. O empréstimo de estudante parece não chegar nunca, o pagamento da residência foi adiado até mais não e o meu pai lá conseguiu enviar-me os 300 euros no dia limite. Ainda não sei como vai ser, tendo em conta que já tinha recebido um papel, ainda não falei com ninguém. Pelo menos paguei pronto. Pode ser que corra tudo bem.
A seriedade das aulas finalmente apanhou-me. Falar em italiano não tem sido uma coisa fácil, todos os dias há uma evolução, uma nova palavra mas parece tão pouco, tão mísero. Ainda não consigo ter uma conversa normal em italiano embora normalmente perceba o que me querem dizer. Ando a falar quatro línguas ao mesmo tempo na maior parte das vezes. Italiano, Espanhol, Português e Inglês misturam-se na minha boca e na minha mente. Desconfio se continuar assim vou ficar sem saber falar de todo. Tenho paura (medo) dos exames, das aulas, dos testes, das coisas. Mas mesmo assim, sabe bem estar aqui. Sabe bem andar por estas ruas, sabe bem saber que estou em Itália.
Porque um dia, há pouco tempo atrás parece, tive 16 anos e queria morrer. Morrer porque a vida era sempre a mesma, as pessoas eram sempre as mesmas, as novidades eram sempre as mesmas. O meu quarto branco de 4 paredes parecia cair em cima de mim tal como todo o resto do mundo. Queria tanto viajar, queria tanto sair, queria tanto ver o mundo para além da minha casa, das minhas coisas. E valeu a pena ficar. Valeu a pena ficar para viver isto,ver isto, conhecer estas pessoas.
Pelo menos há isto, pelo menos ainda há este prazer de viver e sinto-me abençoado. O resto correrá como tem que correr. Só posso esperar que bem. Os problemas que aparecerem enfrento-os, penso em alternativas, opto por caminhos, discuto com alguém, pelo ajuda. O desespero já não conhece o meu nome, pelo menos na maior parte das vezes.
Entretanto, noutros níveis a vida deu uma volta engraçada. Não é amor, nem tem nada a ver com sentimentos, é uma outra coisa que tem sido um peso no meu coração e na minha vida há tantos anos que por agora, não quero falar. Tornou-se uma nova obsessão, não é saudável, não me está a fazer muito bem, mas também me sinto feliz por isso. Saber que consigo. Saber que poderei a vir impressionar aqueles que sempre tinham achado que eu ficaria o mesmo...Mais sobre isto noutro dia, tenho que ir estudar italiano, tenho que fazer isto e aquilo e não me apetece falar mais. Hoje há Teatro, Feira e Crepes com os franceses ( o casal mais cinema francês que eu já vi ). Hoje há vida. E agradeço por isso.
Regresso
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Começa assim,
com as minhas mil mortes e mais uma
entre chocolates e cravos caídos,
o fim de outro mundo perdido em tantos
sem tempo para prantos nem lembra...
Há 8 anos
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