A minha vida é uma montagem

24 março, 2012

Uma montagem muito parecida à vida real. Tenho maneirismos "próprios", amigos, saio, tiro fotografias. Tenho conversas sobre tudo e sobre o nada também. Escrevo como se não houvesse amanhã, tentando de alguma forma compensar a minha falta de amor próprio com palavras bonitas. Performance. O que visto, o que sinto, o que como, o olhar para mim. Aquilo que estou a escrever neste momento. Uma performance. 
E não for a performance quem sou eu?

e depois sinto-me ridículo de ter estas ideias ridículas
e volto ao mesmo.


Dimensões Algarve I

15 março, 2012

Parte 1
Ontem, depois de um dia feliz de existência - as coisas materiais sempre me ajudaram a combater o vazio dos sentimentos - deitado na cama, o barulho da rua recta lá fora, o ressonar do meu pai no quarto ao lado, e eu de olhos abertos na luz do candeeiro, o Mrs Dalloway aberto ao meu lado sem ser porém lido e encarei o meu armário por momentos.
E, do nada, com se eu próprio tivesse entrado numa dimensão nova de realidade, sangue jorrava do meu armário. Primeiro umas gotas, nem sangue era, era água que corria vermelha, que pintava o armário. E eu de olhos postos sem me mexer, eu e ali com a luz do candeeiro a bater-me no rosto. Não tremi, não me assustei. E mais sangue saía. O armário mexia agora violentamente, o sangue era quase como uma fonte a jorrar.
Nesse momento, as portas abrem-se e uma criatura pula do armário para cima de mim. Não houve tempo para falsos pensamentos sobre a vida ou sobre o que tinha feito. O monstro em cima de mim não teve dúvidas ou pena e começou a comer-me, a rasgar-me a pele, a furar-me os olhos. E eu sem fazer nada, caído na cama como cadáver antes de morto a ser devorado pelo monstro.
Nem uma lágrima me lembrei de deitar, embora tivesse pena de não ter fumado um último cigarro...

Parte 2
Passeava por Faro. Outra vez Faro, como sempre Faro. E andava a descer pela grande avenida do Liceu e passei por uma café.
"Pois. Ou então levo-a para o canil e eles matam-na. Mas isso era chato."
E pensei. Bolas, era bom que isso pudesse acontecer connosco, humanos. Ele está perdido na vida, não tem ninguém. Vou tentar arranjar solução mas posso sempre levá-lo ao canil e eles matam-no. Embora seja chato. Ter um sítio para ir quando se está perdido. Ter um lugar para acabar com as coisas quando as coisas já estão de sua maneira acabadas mas perpetua-se o respirar inútil e penoso. Ter uma solução, enfim uma resposta. Ter algo palpável, uma escapatória.
Fazer do corpo um retrato da alma.


As esperas pequenas

09 março, 2012

E dizia-me uma amiga, a vida é uma longa espera. Esperas por isto, esperas por aquilo. Esperas que aula comece para depois esperar que ela acabe, esperas pelo fim de semana e depois esperas por segunda feira. Esperas por ter alguém, esperas por ser alguém, esperas por ser pai. Esperas pela reforma. E depois, esperas para morrer. E no entanto são as esperas pequeninas no meio destas coisas que transformam as esperas grandes.

Esperei vir para Portugal. Agora aqui estou. De volta à origem, tão de volta à origem que tenho Estrelitas na cozinha e duas iogurtes meio bebidos no quarto - é isto para mim voltar a casa. Mas não é uma existência tão celestial como eu procurei pensar.

Dizia eu à minha amiga, que em Milão as coisas estavam mal porque eu andava ansioso com a carteira, havia pressão, o tempo não era muito bom e por isso é que eu sentia as coisas tristes - aliás por isso é que eu andava triste. Por isso é que era tudo difícil de encarar.
Em Lisboa, o mesmo sentimento comigo. O companheiro silencioso da caminhada antes gloriosa. Nada parece ter o mesmo brilho em Lisboa. Aliás, em lado nenhum encontro algum brilho.

A força que um dia tive que me ir embora, de enfrentar uma nova cidade, de enfrentar novas pessoas, de querer o melhor para mim esgotou-se. Não sei se deixei a felicidade de Lisboa guardada numa caixa em Sacavém, se deixei o amor por mim num maço de tabaco à janela, se deixei grandes amores no quarto ao lado. Mas a verdade é o que os deixei em algum lado.

E andamos assim em Março. Sem nada curado, com os medos todos, e continuando a esperar por qualquer coisa.