Nanowrimo

21 novembro, 2010

Ando a ficar cansado, mas cá vai um excerto que faz sentido pôr aqui agora.

Capítulo X

Harry Potter e Eu

A memória é uma coisa engraçada. Há momentos de vida que me passam completamente ao lado e que nem sei que passei e há outros que estão tão coloridos como no dia em que foram pintadas. Um bom exemplo disso, é a morte da minha avó. Lembro-me tão bem desse dia. De como passei o dia inteiro a saber que qualquer coisa estava errada. Qualquer coisa não estava como deveria estar.

Lembro-me de dormitar sem sono e ter um aperto no peito. Lembro de ver a Morte a olhar para mim. Algumas horas depois a mãe chegou e disse-me “A tua avó morreu, meu filho.”

E qualquer coisa morreu com ela também nesse instante de dor, como uma lança que atravessa o peito e rebenta com tudo o que temos cá dentro. E qualquer coisa partiu, quebrada, nunca mais recomposta, nunca mais vista. Lembro de ter os olhos em lágrimas e a minha mãe pentear-me o cabelo com força. Lembro de ela chorar também e o resto dos dias passarem assim, em choros.

Lembro-me de chegar o meu pai e eu ter que ser forte. De não chorar ao pé dele, de não lhe dizer nada. Lembro dele com a cara de quem tem um problema chato para resolver. Lembro-me dele vagamente triste. E eu com o coração a explodir de emoções sem ter ninguém para conversar comigo. Morreu, acabou, não dá mais. Game Over Over. Já não há vidas extra. Não há escapes.

“Não podes ir ao funeral. É uma coisa muito pesada e tu és só um rapazinho. Não queiras ir e se te convidarem recusa. Não entres no carro da tua tia se ela pedir. Não penses nisso sequer”- dizia-me a minha mãe. Mas o que era aquilo tudo? O que era forte? O que é que era pesado?

O que é que eu não podia suportar mais se já me tinham levado quase tudo o que tinha? O telefone tocou alguns dias depois.

“Está lá, Ana? Olha é a Manuela. Diz-me uma coisa não posso levar o rapaz ao cinema? Acho que lhe vai fazer muito bem. Ele anda tão triste, tão chateado. Saiu um filme engraçado para crianças.”

O filme era o Harry Potter a Pedra Filosofal. E a vida tinha renascido. RESTART para mim. Restart.

E em Lisboa, via-se por aquela altura posters do novo filme, a última aventura dividida em duas partes, para contar mais da história e ganhar mais alguns milhões. É como que o fim de parte da minha vida, qualquer coisa que se acaba aqui, talvez a minha adolescência mais infantil. Talvez ande a tornar-me naquele homem que todos me contavam que ia ser.

E é muito estranho. É estranho estar aqui, nesta etapa de vida, é estranho estar em Lisboa e ter não só uma casa, mas um lar. Morava em Faro e a minha vida era aquilo. Odiava a minha casa, odiava as minhas rotinas rotineiras e aborrecidas, odiava a falta de aventuras e estímulo e cá estou eu neste novo universo, nesta nova vida. A cometer os meus erros, a dar passos errados mas sempre a descobrir e a aprender qualquer nova, qualquer coisa de diferente.


(...)

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