O último dia de agosto acontece sereno. Sem se fazer notar. Não fosse o calendário seria um dia outonal perfeito. Faz um pouco de frio já. As roupas curtas parecem já meio ridículas. Os chinelos estão prontos a ser arrumados e esquecidos no armário. O verão vai embora e leva com ele "mares de trampa" que tive de navegar. Trampa daqui, trampa dali, trampa de ti e trampa dele, trampa de todos e trampa de ninguém.
Foi um verão de dor e de saudade, de incómodo com a vida bucólica que cheguei a pensar que era brilhante e perfeitamente citadina. A dor sempre está comigo como amiga maldosa de muitos anos que não conseguimos perder o contacto. A saudade é a penetra que espreita sempre por cada buraco que encontra. Tenho dor não sei de onde, tenho saudade de não sei o quê.
Vou-me embora. Vou-me embora. Vou-me embora.
E sinto-me doente, como se carregasse um cancro para o qual não há quimioterapia, porque não há como lutar. Sinto um bicho cá dentro, devorando as minhas emoções e o meu tempo, um bicho cá dentro com fome de mim, com fome de tudo o que tenho, um bicho que nunca dorme, um bicho que não me dá paz, um bicho tão presente como o ar que respiro e tão palpável como a minha barriga exagerada.
Descansar. O que é descansar?
Dormir. O que é dormir?
Apenas intervalos na trampa. Apenas meras interrupções do nada que não levam a nada nem trazem nada.
E mesmo assim, a minha dor não é solitária. O início de setembro trouxe para alguns a sombra do desemprego, da incerteza. Da obrigação de ficar aqui e não ir para Lisboa e esperar um ano para uma nova tentativa.
Estou melhor do que isso. Mas não estarei à mesma doente? Um bicho que devora, uma amiga maldosa acompanhada de outra e mares de trampa, mares de trampa para apanhar um, dois peixes.
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